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A produção do mural para o centenário do livro Ulysses, de James Joyce

  • Publicado: Terça, 14 Junho 2022 14:24

Por Keven Magalhães¹

(Foto: John Fletcher)

 

O Bloomsday, comemorado todo dia 16 de junho, é a data na Irlanda em que se homenageia o personagem Leopold Bloom, protagonista de Ulysses, de James Joyce. Diante dos 100 anos de existência do livro, o projeto Ulysses100 foi criado envolvendo 18 universidades federais no Brasil, a fim de expor, de maneira artística, como é a visão do brasileiro contemporâneo perante a obra.

Uma das universidades selecionadas para participar foi a UFPa, que a partir de uma parceria entre Faculdade de Artes Visuais, a Faculdade de Letras, a Reitoria da Universidade Federal do Pará e a Embaixada da Irlanda selecionou o projeto de Andreza Karoline Costa dos Santos, também conhecida no meio artístico como AK Jasmim, ou apenas Jasmim, para a pintura de um mural referente a sua interpretação do episódio 08 do livro, “Os Lestrígones”. Sob a orientação dos professores John Fletcher, Valéria Augusti, Otávio Guimarães, Rosângela Britto, Neder Charone, e a ajuda de 22 discentes voluntários dos cursos de Artes Visuais, Cinema e Audiovisual, Produção Multimídia e Museologia, a contemplada criou uma obra colorida, repleta de referências ao livro e cheia de críticas sociais.

A realização do mural durou cerca de 09 dias, se estendendo de 23 de maio até 01 de junho, e acompanhamos o processo da obra do início ao fim. Diante disso, compartilhamos aqui o nosso diário de campo com vocês.

Praticamente todos os dias foram divididos em 02 turnos de segunda a sexta. O primeiro deveria começar às 10hs e terminar às 12hs. O segundo foi marcado para acontecer das 16hs às 18hs.

23/05 – Primeiro dia: Algumas Decepções e Algumas Soluções

            Em torno das 10 horas da segunda feira, Jasmim, Beatriz Melo, Benedito Luz e eu, Keven Magalhães, nos encontramos no CAAV, Centro Acadêmico de Artes Visuais. Ali reunimos os materiais comprados e os equipamentos cedidos pela Faculdade de Artes Visuais para, então, partirmos para a reitoria, onde seria pintado o mural. Entretanto, uma série de imprevistos ocorreu. Não havia tomada perto para ligar o projetor e, quando conseguimos uma extensão, percebemos que ela precisaria de um adaptador, visto que tanto o notebook quanto o Datashow emprestados eram de modelos antigos. O desânimo começou a se expressar, mas a equipe resolveu guardar tudo e continuar no turno da tarde, quando já teríamos providenciado o que faltava. Entretanto, a chuva torrencial vespertina impediu que déssemos início à pintura. Desse modo, Jasmim achou melhor dispensar os voluntários e dar início no dia seguinte.

(Foto: John Fletcher)

 

24/05 – Segundo dia: Agora vai!

            Resolvemos nos encontrar às 09h30min, a fim de adiantar o início e tentar compensar um pouco o atraso gerado pelos imprevistos do primeiro dia. Entretanto, agora com todos os equipamentos em mãos, a equipe de Jasmim se viu diante de outro entrave, o Datashow não era potente o suficiente para projetar o desenho na parede onde seria pintado o mural. A autora acabou por desistir da projeção e resolveu que o mural seria feito por escala em grade. As marcações iniciais, portanto, duraram o dia todo e foram feitos com lápis dermatográfico e trena. Os voluntários presentes foram Beatriz Melo, Benedito Luz, Thandara Melo, Josiane Lima, Emerson Duarte, Cecília dos Anjos, Heloisa Assunção, Marcus Vinícius e eu. As atividades foram encerradas por volta das 17:50, e o esboço não foi terminado, mas quase concluído.

(Foto: John Fletcher)

 

25/05 – Terceiro dia: Término do esboço e início da pintura.

            Jasmim e eu nos encontramos em torno das 08h45min para adiantarmos o mural, afinal, os imprevistos geraram grande atraso. Por volta das 10hs, os voluntários começaram a chegar, e conseguimos, com ajuda deles, terminar o esboço e as correções. Ainda no primeiro turno, Jasmim abriu as tintas e explicou sobre a utilização delas e dos pinceis. Isso se fez necessário, já que nem todo mundo possuía experiência com pintura. Ela, pacientemente, fez a mistura de cores e explicou sempre que foi necessário. Esta mediação se repetiu sempre que apareciam novos voluntários. O primeiro turno se estendeu até as 13h05min, algo que viria a ser recorrente nos dias posteriores, e o processo de pintura continuou durante a tarde. O nível de detalhamento do desenho fez a equipe perceber que a arte iria exigir bem mais do que alguns esperavam, mas nada que gerasse algum desânimo. O sol escaldante da tarde gerou queimaduras em alguns, e precisamos usar protetor solar para evitar que isso voltasse a acontecer. O segundo turno terminou por volta das 18h08min, sendo que os voluntários presentes foram Mederiá Brandão, Beatriz Melo, Cecília dos Anjos, Benedito Luz, Thandara Melo e eu.

(Foto: John Fletcher)

 

26/05 – Quarto dia: Mais pessoas...

            A autora e eu havíamos marcado antes do início do primeiro turno novamente, visando a algum adiantamento da obra. Entretanto, fez-se necessária a troca de um dos galões de tinta que estava com uma cor errada. Isso atrasou bastante e só começamos a pintura às 10h43min. No primeiro turno, os únicos voluntários presentes foram Beatriz Melo, Thandara Melo, Josiane Lima e eu. Durante a tarde, além destes, também se fizeram presentes Benedito Luz, Cecília dos Anjos, Heloisa Assunção e Mederiá Brandão. Também se uniram ao grupo Josiel Paz, Monique Ferreira e Marcos Cauã, os quais não haviam se inscrito para o voluntariado, mas quiseram participar e passaram a ser ativos e frequentes na obra. Bastante gente apareceu no local naquela tarde, conhecidos ou não, para perguntar, elogiar, fotografar ou apenas ficar por ali. Houve tanto movimento que mal havia espaço para todos, e os voluntários tiveram que se revezar na pintura. Um trabalho realmente coletivo e acolhedor.

(Foto: John Fletcher)

 

27/05 – Quinto dia: Mais imprevistos...

            Às 08h17min, a autora e eu nos encontramos em frente ao mural para avaliação atual da obra. Infelizmente, o primeiro turno foi cancelado em função de um compromisso da autora com sua filha, e as atividades voltaram no turno da tarde com a participação de Beatriz Melo, Benedito Luz, Marcus Vinícius, Heloisa Assunção, Kevin Robert, Matheus Siqueira, Ana Clara, Marcos Cauã, Janieire Santos, Josiel Luz e José Antônio. De todo modo, independente dos imprevistos, estávamos mais afinados como grupo, mais próximos como alunos e alunas da UFPA. O potencial agregador e interinstitucional estava se mostrando, cada vez mais, como um dos grandes pontos de destaque de toda a produção do mural na Reitoria.

(Foto: John Fletcher)

 

28/05 – Sexto dia: Mesmo no final de semana.

            Em pleno sábado, às 08h13min, voltamos ao mural. Jasmim, Benedito Luz e eu estávamos neste dia para pintarmos apenas durante o turno da manhã. Como a maior parte da universidade estava fechada, levamos nossa comida. A decisão de ir ao sábado se deu justamente pelo prazo que estava perto de seu limite. Para alívio da equipe, conseguimos adiantar bastante coisa e queríamos ficar mais tempo, mas tivemos que sair, pois, a partir das 12hs de sábado, só pode ficar na universidade quem tem autorização. De qualquer modo, conseguimos ganhar novo fôlego e grandes expectativas.

(Foto: John Fletcher)

 

30/05 – Sétimo dia: Mais materiais.

            O primeiro turno começou por volta das 10h19min apenas com a autora e eu. Os demais voluntários, Beatriz Melo, Emerson Duarte, Rafaelly Pires, Marcus Vinícius e Davi Rodrigues começaram a chegar no decurso da manhã. Infelizmente, não pude estar presente no turno da tarde em função de outro compromisso na universidade, mas Beatriz Melo, do curso de Artes Visuais, se prontificou em fazer o registro do turno e todo o crédito dessa parte se deve a ela. Às 14:40, a autora do mural precisou sair para comprar mais corantes e canetas poscas para o acabamento da obra. Isso fez com que o segundo turno só começasse as 17hs e se estendesse até as 18:40. Quase todo o preenchimento feito em tinta foi terminado, faltando apenas alguns retoques, bem como a segunda demão. Os voluntários ficaram bem empolgados ao saber que teriam oportunidade de usar canetas poscas, já que muitos tinham vontade, mas nenhum teria usado, uma vez que costumam ser bem caras. A compra de materiais pelo Prêmio Ulysses 100 já nos mostrava outros aspectos muito significativos na formação e práxis da vida artística.

(Foto: John Fletcher)

 

31/05 – Oitavo dia: Prazo terminando e a realização de um sonho.

            Neste penúltimo dia, Jasmim e eu chegamos bem antes do horário do primeiro turno, às 8:30, e, apesar de preocupada com o prazo, muito do mural já estava adiantado e a autora parecia bem empolgada. É notável que, mesmo gostando de companhia, Jasmim fica bem mais concentrada, calma e, talvez, inspirada quando tem com pouca gente por perto. Por conseguinte, esta foi uma manhã tão produtiva, a ponto de ela acrescentar detalhes adicionais na obra, algo que foi bem recebido pelos voluntários e voluntárias quando viram. Jasmim também levou lanche para quem lá estava, e todos fizeram uma pausa por volta das 11h41min para comer, já que todos já sabiam que o primeiro turno seria levado até mais tarde, nesse caso, até às 13:21. “Sr.” Owaldo, um dos responsáveis pela manutenção daquele setor da universidade, ainda no primeiro turno, mandou tirar uma lâmpada da parede da reitoria que ficava bem no meio da pintura, o que ajudou bastante, em termos estéticos, a obra. Dentre tantos visitantes e olhares curiosos, Carlos Alberto e Yasmim Cristina, dois alunos de Ciências Contábeis, surgiram com um interesse para além de apenas perguntar ou fotografar. Ele em específico demonstrou grande interesse em participar do mural e lhe foi dada a oportunidade de, com uma caneta posca, fazer o contorno dos olhos de uma das moscas personagens da arte. Nas palavras de Carlos, aquilo foi a realização de um sonho, pois ele sempre quis fazer parte, nem que fosse de maneira mínima, na produção de um mural artístico.

Às 16h07min, por outro lado, deu-se o início do segundo turno, mesmo com o tempo nublado. Às 16:25, uma chuva torrencial começou a cair, algo reincidente nestes dias de tempos tão estranhos em Belém. A equipe da autora abrigou os materiais de produção da melhor maneira possível, mas todos permaneceram na produção do mural em função do prazo. Conforme a chuva parava, caia o anoitecer, e passamos a precisar das lanternas dos celulares para continuar a pintura. A equipe formada por Rafaelly Pires, Josiane Lima, Beatriz Melo, Benedito Luz, Cecília dos Anjos, José Antônio e Heloisa Assunção aos poucos foi se dispersando por conta do horário. Jasmim e eu fomos os últimos a sair, e o turno realmente só terminou às 20h02min. De todo modo, todos os retoques foram terminados, sendo que ficou faltando apenas o acabamento com as canetas poscas. Estávamos quase no fim desta jornada.

(Foto: John Fletcher)

 

01/06 – Nono dia: Finalização.

             Ainda mais cedo que nos dias anteriores, Jasmim chegou, nesse dia, às 07h32min. Os demais voluntários haviam sido dispensados desse processo de finalização, visto que todos tinham se inscrito apenas para as atividades até o dia 31/05. Já estávamos no dia 01/06, dá para acreditar? De todo modo, Beatriz Melo, Josiane Lima e Thandara Melo chegaram ao local, a fim de participar da finalização, demonstrando grande interesse em participar de cada instante da obra. Estávamos muito felizes! Nesse dia, vale acrescentar, haveria apenas um turno, e os voluntários foram almoçar às 13h11min, sendo que Jasmim ficou trabalhando no mural até às 14:37, quando finalmente pôde ir para sua casa fazer sua refeição.

(Foto: John Fletcher)

 

Por volta das 17h11min, deu-se o início da confraternização da equipe de produção do mural, com direito a música ao vivo tocada por José Antônio e Igor Furtado, e com participação especial de Aurora Karoline dos Santos Furtado, a filha de Jasmim, que, diga-se de passagem, foi uma das visitantes mais frequentes de todo o processo. Ela pôde inclusive pintar pequenas partes da obra e era quem claramente renovava a inspiração de Jasmim sempre que aparecia pelo local. A ideia inicial era de se fazer um piquenique de final de tarde no gramado em frente ao mural, mas outra chuva torrencial fez com que mudássemos o lugar para a cobertura do mural. Infelizmente, nem todos os voluntários e as voluntárias puderam participar do momento, que, além de música e comida, também contou com o relato pessoal de Jasmim sobre seu processo criativo e sobre a obra de James Joyce. Vale ressaltar que não só a autora, mas todos e todas as participantes agora viam o mural com tom de orgulho, algo que em nada lembrava o clima taciturno de desânimo que marcou o primeiro dia.

(Foto: John Fletcher)

 

O pensamento de Jasmim sobre o episódio do livro em questão se expressou no mural vagando pela linha tênue preto e branca que separa – ou une – os olhares vazios de criaturas fantásticas e famintas de natureza antropomórfica, com cenários quase psicodélicos e pouco comuns que também surgem aos nossos olhos. Ver em um primeiro momento a pintura chega a ser surreal e pode fazer o leitor se perder dentro de uma descrição aparentemente desarranjada, bagunçada, fragmentária, mas toda a loucura e caos onírico da narrativa não direta, aos poucos, vai dando espaço para elementos icônicos do livro, homenagens regionais e críticas sociopolíticas. E todo o vazio nos olhos dos personagens passa a ser preenchido pela motivação incitada tanto pela obra de James Joyce, quanto pela própria interpretação de Jasmim sobre o livro, denotando que a “confusão” tem propósito e potência; a autora pôde mostrar o quão bem pensado foi o projeto.

Segundo Cecília dos Anjos Siqueira, mais conhecida como Ceci Queijo, uma das voluntárias, a experiência foi extremamente divertida e instigante, uma oportunidade de participar – pela primeira vez – de uma produção desse tamanho, bem como de conhecer mais pessoas que, em suas palavras, são inspiradas pela arte. Diante de seu olhar, o trivial dia cotidiano descrito no livro – algo tão comum a todos nós – se torna, no mural, uma viagem “hiper colorida”, capaz de ressaltar aspectos da vida banal que tendem a ser esquecidos. É interessante pensar que Ceci é aluna do curso de Cinema e Audiovisual da UFPa, o que também revela o quão aberto e agregador se tornou o projeto.

O mural, mesmo lembrando em certo nível narrativas sequenciais de histórias em quadrinhos, não caminha por uma regra de leitura linear, mas é incomum e marcante na mesma medida que Jasmim e seu processo criativo. Estes aspectos refletem, em uma dimensão artística, a complexidade e estrutura do livro que inspirou a obra. Mesmo para os desatentos, muitos quadros deixam óbvias críticas sociais relacionadas à política, exploração infantil, descaso com questões indígenas, entre outras. Ainda que para certas pessoas a pintura possa parecer confusa, fragmentária, afirmamos: é profunda, importante e resultado do quanto se pode imaginar, alto e livre, de maneira a marcar o poder revelador da dimensão coletiva, do estímulo artístico das parcerias entre Faculdade de Artes Visuais, Faculdade de Letras, Reitoria e Embaixada da Irlanda. Viva as artes visuais, viva a literatura, viva a Universidade Federal do Pará!

 

¹. Keven Magalhães é discente do curso de Licenciatura em Artes Visuais (FAV/ UFPA) e bolsista do Projeto de Extensão “Memórias das Artes Visuais: Arte, Cultura e Patrimônio nas Redes”.

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