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A visão de Andreza Karoline sobre a obra de James Joyce em seu mural

  • Publicado: Segunda, 04 Julho 2022 10:42

Por Keven Magalhães¹

(Foto: John Fletcher)

 

O Bloomsday, comemorado todo dia 16 de junho, é a data na Irlanda em que se homenageia o personagem Leopold Bloom, protagonista de Ulysses, de James Joyce. Diante dos 100 anos de existência do livro, o projeto Ulysses100 foi criado envolvendo 18 universidades federais no Brasil, a fim de expor, de maneira artística, como é a visão do brasileiro contemporâneo perante a obra.

Uma das universidades selecionadas para participar foi a UFPa, que a partir de uma parceria entre Faculdade de Artes Visuais, a Faculdade de Letras, a Reitoria da Universidade Federal do Pará e a Embaixada da Irlanda selecionou o projeto de Andreza Karoline Costa dos Santos, também conhecida no meio artístico como AK Jasmim, ou apenas Jasmim, para a pintura de um mural referente a sua interpretação do episódio 08 do livro, “Os Lestrígones”. Sobre a orientação dos professores John Fletcher, Valéria Augusti, Otávio Guimarães, Rosângela Britto, Neder Charone, e a ajuda de 22 discentes voluntários dos cursos de Artes Visuais, Cinema e Audiovisual, Produção Multimídia e Museologia, entre outros cursos, a contemplada criou uma obra colorida, repleta de referências ao capítulo selecionado do livro e cheia de críticas sociais.

O pensamento de Jasmim sobre este episódio do livro em questão se expressou no mural vagando pela linha tênue preto e branca que separa – ou une – os olhares vazios de criaturas fantásticas e famintas de natureza antropomórfica, com cenários quase psicodélicos e pouco comuns que também surgem aos nossos olhos. Ver em um primeiro momento a pintura chega a ser surreal e pode fazer o leitor se perder dentro de uma descrição aparentemente desarranjada, fragmentária, mas toda a loucura e caos onírico da narrativa não direta aos poucos vai dando espaço para elementos icônicos do livro, homenagens regionais e críticas sociopolíticas. E todo o vazio nos olhos dos personagens passa a ser preenchido pela motivação incitada tanto pela obra de James Joyce, quanto pela própria interpretação de Jasmim, de maneira a denotar que a “confusão” tem propósito e potência; a autora pôde mostrar o quão bem pensado foi o projeto.

Embora a pintura do mural tenha durado 09 dias, da parte de Jasmim o projeto já estava em andamento desde o dia 26 de janeiro, data em que, nas palavras da própria, “suas portas imaginativas para a obra foram abertas”. Um processo longo, cheio de altos e baixos, bagunçado e caótico. A autora pôde expressar bem seu estilo espontâneo e caótico.

Entre os dias 23 de maio e 01 de junho se deu a pintura do mural, e contou com a participação de 22 voluntários de vários cursos, que se dividiram em dois turnos e se apresentaram para o projeto com os mais diversos objetivos: para aprender sobre tintas, aprender sobre pintura de mural, ter uma experiência nova ou apenas ajudar na obra... ou tudo isso junto. Vale ressaltar que grande parcela dos participantes tinha pouca ou nenhuma experiência com pintura de murais ou mesmo com pintura, mas, para este propósito, a própria autora da obra fez a mistura de tintas e deu, pacientemente, instruções básicas sobre a utilização e lavagem do material.

Jasmim desde a infância foi engajada em movimentos sociais, o que estimulou a autora a querer mobilizar uma equipe. Para ela, não faz sentido qualquer obra que não possua engajamento social e/ou não permita interação ou interpretação de outras pessoas.

A princípio, a equipe inteira parecia bem empolgada, afinal, seria uma experiência nova para todos, inclusive para Jasmim – que mesmo já tendo produzido outros murais, nunca antes havia feito e dirigido uma obra de tal proporção e divulgação – mas problemas nos equipamentos de projeção geraram um atraso de mais de um dia e obrigaram a todos a mudar a técnica de pintura, que foi feita por escala. Isso rapidamente gerou um clima taciturno de desânimo e frustração. Felizmente, gradativamente foi recobrado seu caráter entusiástico, conforme o resultado aparecia. Aos poucos o otimismo e satisfação se tornaram perceptíveis nos olhares e vozes da autora e voluntários, mesmo com a preocupação do prazo – o que estimulou muita gente a querer participar fora de seus turnos ou mesmo em finais de semana, independente das chuvas e o sol forte que normalmente ocorriam pela tarde.

Segundo Cecília dos Anjos Siqueira, mais conhecida como Ceci Queijo, uma das voluntárias, a experiência foi extremamente divertida e instigante, uma oportunidade de participar – pela primeira vez – de uma produção desse tamanho, bem como de conhecer mais pessoas que, em suas palavras, são inspiradas pela arte. Diante de seu olhar, o trivial dia cotidiano descrito no livro – algo tão comum a todos nós – se torna, no mural, uma viagem “hiper colorida”, capaz de ressaltar aspectos da vida banal que tendem a ser esquecidos. É interessante pensar que Ceci é aluna do curso de Cinema e Audiovisual da UFPa, o que também revela o quão aberto e agregador se tornou o projeto.

Importa dizer que a produção da obra, em todo seu processo de criação, chamou bastante atenção, e muita gente – conhecidos ou não – se aproximou para bater fotos, elogiar, perguntar sobre ou apenas ficar por ali e acompanhar o processo. Surgiram, inclusive, pessoas que não se inscreveram pelo formulário, mas se voluntariaram na hora. Um desses casos foi o de um aluno de Ciências Contábeis que, mesmo sem saber da chamada para voluntários, viu a produção do mural e se interessou em participar. Nas palavras dele, aquilo significou a realização de um sonho. Uma das participações mais marcantes e frequentes foi a de Aurora Karoline dos Santos Furtado, filha de Jasmim. Ela pôde participar da pintura de pequenas partes do mural e que, claramente, renovava a inspiração da autora sempre que aparecia pelo local.

Já em um primeiro contato fica óbvio, mesmo para os mais distantes desse tipo de obra, o traço e estilo de AK Jasmim, algo extremamente marcante e delirante... “Caótico e louco”, nas palavras da própria. Como um devaneio que, de alguma forma, lembra os desenhos de Tim Burton ou, segundo a autora, o universo de Alice no País das Maravilhas. Estes aspectos podem também refletir a própria assinatura de Andreza, com suas memórias e particularidades de vários campos de sua vida, desde momentos de sua infância, onde se dá o início de sua trajetória artística, até os dias atuais. Embora possa parecer difícil de interpretar o mural de maneira casual, é impossível dizer que a pintura carece de significado. E, mesmo com tantos personagens de olhares peculiares, não se pode ver a obra e não ser preenchido por algum sentimento subjetivo, insólito e indescritível.

O mural, mesmo com um certo nível referente às narrativas sequenciais de histórias em quadrinhos, caminha por uma estratégia de leitura não-linear. A emulação do Raio que o Parta pode nos ajudar a compreender este mosaico que gera um todo coerente. São estes aspectos que refletem, em uma dimensão artística, a complexidade e a estrutura do livro que inspirou a obra. Mesmo para os desatentos, muitos quadros disparam críticas sociais relacionadas à política, exploração infantil, descaso com questões indígenas, entre outras.

 

¹. Keven Magalhães é discente do curso de Licenciatura em Artes Visuais (FAV/ UFPA) e bolsista do Projeto de Extensão “Memórias das Artes Visuais: Arte, Cultura e Patrimônio nas Redes”

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